terça-feira, 10 de março de 2015

Terça Literária: Versos Soltos no Mar

O ritmo, mar, o ritmo, o verso, o verso!

Dá ao meu verso, mar, a ligeireza,
a graça de teu ritmo renovado.

Eu sou, mar, tu bem sabes, teu discípulo.
Que nunca digas, mar, que não foste meu mestre

Cantam em mim, ó mestre mar, metendo-se
pelos largos canais que há nos meus ossos,
das tuas que são como ondas mestras,
que a ti voltam de novo num unido,
só e mesclado mar de minha boca
Gil Vicente, Machado, [ ... ]
Baudelaire, Juan Ramon, Rubén Darío,
Pedro Espinosa, Góngora... e as fontes
que em minha aldeia cantam pelas praças.

Sento-me, mar, a ouvir-te
Te sentarias tu, mar, para escutar-me?

Tens a vaidade, o desmedido orgulho
de saber que meus versos são sempre em teu louvor. 

Vais largando, praia, terra que te susteve.

Nada em teu coração, nada em teu ventre.

Equivocado, o mar solta uma andorinha.

Rompe o mar tamarindos pela espuma.
  
Guano marinheiro: "venta" de humilde mar "varado".
"Venta" de pobres ventos,
de modestos crepúsculos,
de albas arruinadas.

Preamar silencioso de meus mortos.
Ellos, quizás, los que os están limando,
Eles, talvez, os que vos vão limando
ruivas rochas distantes.
  
Se te escutasses, mar, se tua linguagem
pudesse, mar, ser outra,
que palavras dirias? 

De qualquer modo, mar, soas o mesmo
e continuas parecendo com teu velho retrato.

Mar; às vezes, sentado não se sabe em que assento.

Vê-se que, mesmo querendo,
mar forçudo, não podes.

Aqui jaz o mar. Nem ele mesmo
soube jamais o número de ondas
que desfez o seu sonho.
  
Aqui jaz o mar. Gostaria
de ter sido marinheiro, desde menino.

Aqui jaz o mar. Ninguém teve,
como ele, um caixão
pregado com estrelas. 

Aqui jaz o mar. A morte
sentada ereta, na praia, a contemplá-lo.

Aqui jaz o mar. Devesse
jazer também o céu sobre seu túmulo.

O mar morreu. Não tinha
para o amor mais força que a de um menino.

Quem seria, mar, capaz de escrever-te o epitáfio?

Quero, mar, que em meu dia,
que resta, hoje mesmo
morras tu também.

Cada manhã e o mar fecha os dentes.

Hoje, mar, amanheceste com mais meninos que ondas.

Sim, mar, eu sei, tu és para mim a outra margem.

Mas me disseste, mar, mar
mar do colégio, mar dos telhados
que outras praias tuas, tão distantes,
ia eu chorar, sedado, mar, por ti,
mar do colégio, mar dos telhados.

Decerto te botei, mar guri, em minha frente
e ali foste crescendo em ondulagem
até que te fizeste mulher
e homem ao mesmo tempo.

Menino, eu queria patinar em tuas ondas,
mar do Sul, impossível ao coração de gelo.

Menino mar, não sabes?
ele te pintava sempre a aquarela.

Sábado o mar solta um cavalo branco...
e deixaste dormindo.

És de súbito, igual a uma criada
velha, gruñona e doce, que tinha minha mãe

A areia, quente
Geladas as ondas.
Os que morreram
Maruja, vão te chamar.

Ferozes leões.
Furiosos cavalos.
Mas se são de espuma
Quem pode domá-los?

Inclinei-me para ver o mar. E vi apenas
uma mulher chorando
contra o quarto minguante de uma lua crescente.

Mar, andei à tua procura
esse imortal sorriso...
porém não o encontrei.

Rico, até mesmo sem ver, de suspiros mortos.

Saíste de ti mesmo, levando contigo a praia...
mas te horrorizaste de ti mesmo, e voltaste.

Que estás pensando, mar dos veranistas?

Tu gostarias, mar, de andar de bicicleta,
dar um grande passeio pelas namblas
alugar uma barraca verde
e "cumbar-te" na praia
como um mar qualquer
descansando do banho?

(Vinícius de Moraes)

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Beijinhos

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