O Amor que a Vida
Traz – Martha Medeiros
Você gostaria de
ter um amor que fosse estável, divertido e fácil. O objeto desse amor nem
precisaria ser muito bonito, nem rico. Uma pessoa bacana, que te adorasse e
fosse parceira já estaria mais do que bom. Você quer um amor assim. É pedir
muito? Ora, você está sendo até modesto.
O problema é que
todos imaginam um amor a seu modo, um amor cheio de pré-requisitos. Ao analisar
o currículo do candidato, alguns itens de fábrica não podem faltar. O seu amor
tem que gostar um pouco de cinema, nem que seja pra assistir em casa, no DVD. E
seria bom que gostasse dos seus amigos. E precisa ter um emprego seguro. Bom
humor, sim, bom humor não pode faltar. Não é querer demais, é? Ninguém está
pedindo um piloto de Fórmula 1 ou uma capa da Playboy. Basta um amor desses
fabricados em série, não pode ser tão impossível.
Aí a vida bate à
sua porta e entrega um amor que não tem nada a ver com o que você queria. Será
que se enganou de endereço? Não. Está tudo certinho, confira o protocolo. Esse
é o amor que lhe cabe. É seu. Se não gostar, pode colocar no lixo, pode passar
adiante, faça o que quiser. A entrega está feita, assine aqui, adeus.
E agora está você
aí, com esse amor que não estava nos planos. Um amor que não é a sua cara, que
não lembra em nada o amor solicitado. E, por isso mesmo, um amor que deixa você
em pânico e em êxtase. Tudo diferente do que você um dia supôs, um amor que te
perturba e te exige, que não aceita as regras que você estipulou. Um amor que a
cada manhã faz você pensar que de hoje não passa, mas a noite chega e esse amor
perdura, um amor movido por discussões que você não esperava enfrentar e por
beijos para os quais nem imaginava ter tanto fôlego. Um amor errado como
aqueles que dizem que devemos aproveitar enquanto não encontramos o certo, e o
certo era aquele outro que você havia encomendado, mas a vida, que é péssima em
atender pedidos, lhe trouxe esse e conforme-se, saboreie esse presente, esse
suspense, esse nonsense, esse amor que você desconfia que nem lhe pertence.
Aquele amor em formato de coração, amor com licor, amor de caixinha, não
apareceu. Olhe pra você vivendo esse amor a granel, esse amor escarcéu, não era
bem isso que você desejava, mas é o amor que lhe foi destinado, o amor que
começou por telefone, o amor que começou pela internet, que esbarrou em você no
elevador, o amor que era pra não vingar e virou compromisso, olha você tendo
que explicar o que não se explica, você nunca havia se dado conta de que amor
não se pede, não se especifica, não se experimenta em loja – ah, este me serviu
direitinho!
Aquele amor
discretinho por você tão sonhado vai parar na porta de alguém para o qual um
amor discretinho costuma ser desprezado, repare em como a vida é astuciosa.
Assim são as entregas de amor, todas como se viessem num caminhão da sorte, uma
promoção de domingo, um prêmio buzinando lá fora, mesmo você nunca tendo
apostado. Aquele amor que você encomendou não veio, parabéns! Aproveite o que
lhe foi entregue por sorteio.
Beijinhos
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